Localizada no interior de São Paulo, o município de Charqueada apresentou um desafio peculiar: como poderiam lidar com a presença de jacarés-de-papo-amarelo em uma área destinada a ser um parque municipal em prol do turismo e vice-versa?
Gabriel Luiz de Campos, chefe de turismo do município, fez a solicitação do atendimento à Iniciativa Sábados Azuis. A turismóloga Laraíne Franco e os engenheiros de obras Dênis Oliveira e Weliter Adorno, todos atuantes na prefeitura municipal, também participaram do atendimento.
A equipe de voluntários da Iniciativa Sábados Azuis foi composta pela especialista Patrícia Rossi, assessora e consultora ambiental e turística, e pelas monitoras Laura Heloisa Soares Santos de Souza e Daiane Uinnes Faustino, graduanda e egressa no curso de Turismo da ECA/USP respectivamente; além de uma representante do Núcleo Gestor da Iniciativa, Mariana Pereira, e de dois bolsistas, Samira Delis e Vítor Monteiro, todos graduandos em Turismo pela Universidade de São Paulo.
A origem do nome deste município está ligada ao charque (carne bovina seca e salgada): as chamadas “charqueadas” eram os locais onde este tipo de carne era feita no território, a partir do final do século XIX. Os tropeiros conduziam o gado até a foz do Arroio dos Ratos, afluente do rio Jacuí e, ali, o gado era abatido e a carne transformada em charque.
O município foi desmembrado de São Jerônimo, em 1982, e está inserido na Região Turística da Serra do Itaqueri, integrando o roteiro Sabores da Serra do Itaqueri com a Fábrica di Pamonha, referência regional em produtos à base de milho, como as pamonhas.
Charqueada é reconhecida como um destino para ciclistas, caminhoneiros, jipeiros, atletas e outros exploradores da natureza, prevalecendo o turismo de aventura. Outros pontos turísticos de destaque são: o Parque Municipal Lago dos Biris, próximo ao centro do município e com vista para a Serra do Itaqueri; a antiga estação ferroviária, que ligava Charqueada a Piracicaba; e o Casarão Furlan, onde morou Antônio Furlan, considerado fundador do município.
Em um cenário em que a gestão municipal estava despertando para a importância do turismo, o desafio apresentado por Gabriel e a equipe foi como fazer a gestão do Parque Municipal Lago dos Biris – um dos principais pontos turísticos locais – conectando o turismo com a preocupante proliferação de jacarés-de-papo-amarelo no parque.
Não havia muitas formas de manejo dos animais no lago e o poder público desejava potencializar o parque como um importante atrativo turístico, catalisador de um processo maior: a partir do fomento do parque e demais ações, a prefeitura esperava impulsionar o desenvolvimento integrado do turismo sustentável no município, estimulando um maior engajamento dos atores diretamente envolvidos com a atividade.
A ideia inicial da prefeitura era a remoção dos animais do parque, mas após a realização de análises e estudos, foi descoberto que não era viável e adequado retirá-los do local, já que havia muitos jacarés e seria necessário esvaziar o lago para tal. Além disso, é importante considerar que, o manejo de espécies em extinção é muito complexo e necessita do envolvimento de profissionais especialistas no manejo desta espécie. A segunda opção, portanto, era se adaptar à presença deles e gerir o parque considerando suas características e necessidades de melhorias na estrutura.
Assim, as primeiras reflexões foram direcionadas para o local onde estavam os jacarés: o parque em si, principal ponto de discussão durante os encontros. Algumas perguntas norteadoras foram elaboradas e sugeridas pela voluntária-especialista Patrícia, como: “há serviços de segurança e monitoramento contínuos no parque?”, “como é a infraestrutura básica e turística do parque?” e “há comunicação da prefeitura com os moradores acerca dos animais no lago?”.
A partir destas reflexões, descobriu-se que os jacarés não eram o desafio-chave do município, mas sim a gestão do parque como atrativo turístico. A situação dos animais só chegou a este ponto porque havia uma fragilidade no gerenciamento do parque, que acarretou na proliferação descontrolada da espécie.
Tendo em vista essa questão, foi proposto um exercício cuja finalidade era fazer um inventário da infraestrutura existente no parque sobre seu estado de conservação e como melhorá-la. Isso porque foi decidido que os jacarés seriam mantidos no local para apreciação e tal atividade só poderia ser colocada em prática se a organização atual permitisse a segurança tanto dos animais, quanto dos visitantes.
Desse modo, foi preciso saber qual era a situação do parque para encontrar os pontos fracos a serem trabalhados, pois a ideia era que, posteriormente, fossem implantadas estruturas como: obstáculos que exigem o distanciamento entre os jacarés e os visitantes, câmeras de vigilância, ferramentas que preservem a vegetação natural, entre outras.
Sendo a comunicação um dos elementos mais essenciais de um projeto, a equipe chegou à conclusão de que toda e qualquer mudança, seja uma melhoria ou um problema, deve ser informada à população para que o município tenha suas expectativas alinhadas à comunidade e ambos se unam em prol do desenvolvimento do atrativo e do turismo.
Por fim, foi feita uma análise sobre o planejamento de atrativos. Para isso, utilizou-se:
— O SISTUR (Sistema de Turismo), metodologia de estudo do turismo
— A Matriz SWOT (pontos Fortes, pontos Fracos, Oportunidades e Ameaças – traduzido do inglês) para descobrir as fragilidades e potencialidades do atrativo
— O 5W2H (o Quê, Onde, Quando, Quem e Por que + Como e Quanto – traduzido do inglês) para estruturar as metas e responsabilidades
Após as mentorias, foi possível fazer uma correlação entre a apresentação da demanda inicial (os jacarés no lago), a construção do cenário-problema (histórico da presença dos animais, possíveis causas, riscos ambientais e etc…) e a análise do parque como atrativo principal e indutor do turismo no município.
Como fechamento do atendimento, foi feita a sistematização do planejamento para o parque, ou seja, o planejamento de atrativo. Abordou-se que as fragilidades do parque deveriam ser observadas na totalidade; e, embora os jacarés fossem parte do problema, efetivamente, não eram a principal questão dessa área para o turismo, apesar de que a resolução deste caso fosse urgente naquele momento, o que exigiria o apoio de especialistas no manejo da espécie.
Outras duas sugestões apontadas foram: conversar com os moradores acerca do parque — com o objetivo de ouvir opiniões sobre soluções para os problemas encontrados, já que eles são usuários do espaço — e sugerir no COMTUR, a criação de um grupo de trabalho com a função (estrita) de discutir sobre o parque (grupo de 5 a 10 pessoas). Esse grupo trataria de todos os assuntos relativos ao parque e estabeleceria os prazos para as ações necessárias.
Mais uma vez, foi discutida a importância do uso da comunicação como estratégia de gerenciamento e monitoramento, afinal, a comunicação entre as pessoas que trabalham na prefeitura é a primeira a ser trabalhada. O município também foi aconselhado, pela voluntária-especialista Patrícia, a criar um cronograma visível e compreensível de atividades.
Ao final, a equipe demandante produziu um material com a relação entre estruturas existentes no parque, a situação de cada uma delas e quais seriam os projetos de melhoria. Esse material viria a compor as demais discussões em andamento do Planejamento do Turismo Municipal.
O atendimento de Charqueada (SP) deixa como reflexão: